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Capitalismo de stakeholder: Quem paga a conta?

Capitalismo de stakeholder: Quem paga a conta?
Marco Gorini
Aug. 18 - 9 min read
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Capitalismo de stakeholder: Lideres tem um papel importante na criação do nosso futuro em comum (que já esta acontecendo). Saiba mais nessa reflexão de Marco Gorini, sócio-fundador da Din4mo.

 

A pergunta que dá título a esse artigo é incômoda, mas sem colocá-la explicitamente na mesa, não sairemos do lugar. 

Respostas simples costumam ser um bom caminho para a verdade. Quando rebuscadas, longas e complexas demais, tendem a acomodar figuras de lógica argumentativa que podem nos induzir a conclusões falsas. 

A mente humana tende a evitar qualquer zona de desconforto causada pela dissonância cognitiva e se apoia em toda sorte de justificativas para negar as evidências. No limite, tudo poderia ser justificado, sempre. 

O modelo mental que embasa o paradigma econômico que levou ao limite o stress dos ecossistemas sociais e ambientais, gerando a necessidade de criarmos termos como ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável), ESG (ambiental, social e governança), ‘impact investing’ e congêneres, tem na maximização do lucro e, por conseguinte, no retorno do capital, o elemento central da sua estrutura lógica. 

Esse é o mundo onde as empresas geram as ‘externalidades’ negativas, empurrando a conta desta maximização do resultado a qualquer custo para a sociedade e o planeta, que são responsabilidade das ONGs e dos governos. 

Estamos saturados de evidências, seminários, livros e afins sobre o tema, com diagnósticos e proposições diversas para solucionar a enorme crise global gerada por esse comportamento. 

Há um enorme impulso e múltiplas manifestações globais e locais sobre o ‘reset’ necessário. Inclusive esse é o grande tema do Fórum Econômico Mundial de 2021.

A pergunta simples é: quem vai pagar essa conta? 

Arrisco afirmar que não haverá reset algum sem um acordo claro, profundo e sistêmico sobre a necessidade imperativa de correção na precificação dos ativos em geral. 

A lógica de como precificamos o trabalho, o capital e o conhecimento precisará incorporar a nova definição de sucesso que lastreia esse novo normal desejado, qual seja, um mundo mais inclusivo, equitativo e regenerativo. 

Margens e retornos

Em uma economia de mercado, os preços definem a renda dos trabalhadores, as margens das empresas, o retorno dos investidores e os impostos dos governos. Portanto, responder à pergunta significa olhar para esses quatro stakeholders — trabalhadores, empresas, investidores, governo — e definir como a conta será paga entre eles. 

Assumirei a premissa de que, em um mundo que atingiu o auge da desigualdade social e no qual os governos estão altamente alavancados e empurrando com a barriga as suas crises fiscais, o preço do trabalho e os impostos precisarão subir.

Sobram as empresas e os investidores como potenciais pagadores da conta. 

Empresas são remuneradas pelas suas margens e investidores pelos seus retornos. Significa que, sob esta perspectiva, sem uma decisão clara sobre margens e retornos, não haverá reset algum. Não adianta ficarmos falando de ESG, impacto, ODS e afins sem tratar desse ponto. O resto é malabarismo lógico ou um exercício de ilusão ingênuo. 

 

O meu dia a dia é lidar no mundo das empresas, dos empreendedores e dos investidores e, apesar dos discursos de reconhecimento de muitos sobre a necessidade de um reset, na hora da verdade, que é a hora da negociação e da definição de precificação, poucos são os que estão dispostos a abrir mão de margens e de retorno. 

 

Especificamente no mundo dos investidores, acompanho um mantra de que ativos ESG e de impacto devem oferecer os mesmos retornos que os ‘tradicionais’. Me pergunto: Por quê? Baseado em que premissas? Faz sentido essa comparação? Gostaria de botar um pouco de pimenta nessa discussão. 

‘Comigo não morreu!’

Se um investidor afirma que o retorno deve ser o mesmo (ou até maior), independentemente da qualidade embarcada de ESG /impacto do ativo, o que ele está dizendo é que o preço do seu ativo (capital) não pode mudar e que a conta da mudança terá que ser realizada ajustando as margens das empresas, a renda dos trabalhadores e/ou os impostos dos governos. 

Veja, não tem mágica. Se o retorno exigido em um ativo que gera as ‘externalidades negativas’ que nos trouxeram até aqui deve ser o mesmo de um ativo que gera impacto social e ambiental positivo, quem está pagando a conta da internalização dos custos que antes eram pagos pela sociedade e pelo planeta?

Alguns argumentarão que estou sendo muito simplista, que não levo em consideração os ganhos de produtividade, a possibilidade dos preços dos produtos e serviços subirem para incorporar o novo modelo, dos consumidores serem mais seletivos apoiando as empresas alinhadas às melhores práticas globais etc. 

Outros argumentarão que estou desviando o tema, pois o fato é que não importa discutir retorno, já que há evidências de que no longo prazo, os ativos ESG geram retornos iguais ou até maiores do que os demais. 

Por fim, haverá os que darão exemplos específicos pinçados da realidade e farão generalizações, para comprovar que não há necessidade de falarmos deste tema. De fato, há exemplos e muito bons. Demonstram que, sim, existe a possibilidade de alguns ativos atenderem a esse requisito. Quanto representam do PIB global? 

Diante dessas argumentações, minhas perguntas são: temos tempo para esperar que emerja a consciência necessária para que as mudanças aconteçam? Temos como esperar o longo prazo nos ensinar? Estamos dispostos a pagar para ver? 

Senso de urgência 

Precisamos mobilizar elevadíssimo volume de capital para financiar o novo modelo de sociedade e economia que nos eleve para outro padrão civilizatório. Não há falta de recursos no mundo e muito já se escreveu sobre isso.

A verdade é que a velocidade da mudança está muito aquém da necessária. 

Apenas um exemplo para ilustrar o argumento. Para cumprirmos o acordo de Paris no capítulo Brasil, precisamos regenerar 12 milhões de hectares de florestas e deixar de emitir mais de 150 milhões de toneladas de CO2. O plano de agricultura de baixo carbono (ABC) existe há 10 anos. O Plano Safra esse ano prevê aportar R$ 236 bilhões e apenas 1% vai para o plano ABC. 

 

Dos aproximadamente US$ 350 trilhões sob gestão no mundo, apenas US$ 0,7 trilhão é investimento de impacto. Não é nem 1%. Quanta custa e qual o risco de manter e seguir financiando 99% na velha economia? 

 

Se nós, investidores e gestores de capital, não elevarmos absurdamente a velocidade de transformação das nossas próprias consciências e da consciência dos nossos pares, sobre como estamos fazendo escolhas e decidindo alocação de portfólio, temo que em breve não fará muita diferença, pois veremos um ajuste traumático e catastrófico pelo lado da sociedade excluída e do planeta. 

O covid é um avant première. Façam os cálculos do ajuste de precificação imposto pela pandemia. 

A pergunta não é qual é o risco de investir em um ativo de impacto/ESG vis-à-vis um ativo ‘tradicional’. A pergunta é qual é o risco de seguir perpetuando o modelo que nos trouxe até aqui. 

Uma outra forma de argumentar sobre a mesma questão é a de que, se a lógica do mercado de quanto maior o risco maior o retorno esperado estiver correta, então os ativos não ESG/impacto precisarão passar por uma correção de preços ao serem comparados aos ativos ESG /impacto, pois os primeiros embutem mais risco econômico, social e planetário. 

Convido a todos os investidores e gestores de recursos a meditarem e refletirem sobre esse tema crucial.  Somos todos corresponsáveis pelo nosso futuro comum, seja ele qual for. Gostemos ou não, a página de discussão sobre a necessidade da mudança já virou. 

A energia agora tem que estar nas condições para a mudança. A decisão não é mais técnica. É de vontade política, privada e pública.

 

Artigo publicado originalmente no Capital Reset.

 

Você tem uma experiência sobre esse assunto e quer compartilhar com outros líderes? Clique aqui e escreva seu artigo!

Ou se inspire com esses outros artigos incríveis sobre Liderança:

Seja Homem!, escrito por João Paulo Pacifico, CEO do Grupo Gaia.

Entenda problemas de colaboração entre times e como resolvê-los com ONA (Análise de Redes Organizacionais), por Miguel Nisembaum, Diretor da Mapa de Talentos.
 


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